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domingo, 29 de abril de 2012

Sobre o conflito de gerações no pós parto



Sobre o conflito de gerações no pós-parto
O ano é 2012, nasce Kai, um menino cujo nome quer dizer “mar” em havaiano. A mãe desse bebê trabalha, seu pai também, e ambos contribuem com a renda da casa. Eles não têm babá, e o pai é incentivado a participar do cuidado do filho, ele dá o banho no balde, troca a fralda de pano e usa sling para passear e pôr o bebê pra dormir. Todos dormem juntos na cama, e seguem a amamentação em livre demanda. O bebê, mesmo sendo menino, usa rosa, passa muito tempo só de fralda e se alimenta somente com o leite materno. Este bebê não usa chupeta e mamadeira, toma homeopatia e nasceu de parto natural domiciliar na banheira. Seus pais são vegetarianos, vão introduzir uma alimentação vegetariana no filho também, e ficarão até os 2 anos sem dar leite de vaca a ele. Açúcar também. Não pensam em vaciná-lo. No chá de bebê, ganharam somente fraldas de pano, e o pedido expresso a todos da família foi: nada de andador nem chiqueirinho, o bebê precisa se locomover livremente, sem ajuda.  Saem de casa com o bebê desde os primeiros dias de vida.
Esta é uma família de classe média em São Paulo que participou do meu grupo de pós-parto. Resolvi escrever sobre eles porque, mesmo circunscritos a uma classe social onde há uma gama infinita de representações de maternidade e paternidade distintas – que podem se assemelhar ou se distinguir radicalmente desta –, mesmo não representando a realidade das outras classes sociais, seguindo uma ideologia tida como “natureba” e que não configura a regra, já são uma expressão do que é possível ser vivido hoje em dia como escolha de maternidade e paternidade. Se, para muitos leitores, algumas escolhas podem parecer radicais, imaginem para os avós desse bebê...
Um dos temas mais discutidos no grupo é o choque de geração que os pais (ou melhor avós) do século passado vivem diante dessa nova leva de pais do século XXI. Em maior ou menor grau, esse choque é inevitável. Os tempos mudaram, os valores que inspiram e o contexto concreto da vida já não são mais os mesmos que aquele de 30 ou 40 anos atrás. Mas é aí que a porca torce o rabo... Emocionalmente todo mundo é mexido.
Os novos pais se sentem invadidos com as críticas dos avós e dos representantes desses modos mais consolidados do cuidar. Os avós, em contrapartida, podem se sentir excluídos desse cuidar, ou até ofendidos com essas novas propostas que podem ser um pouco ou muito diferentes do que praticaram. Já pensei bastante sobre o por que ambas as partes, os recém-pais e os recém-avós vivem tão fortemente esse conflito, às vezes de maneira bastante agressiva, e me parece que esse conflito de gerações fica intenso por tocar em questões íntimas importantes, para um e para o outro.
É muito comum que os recém-pais sintam necessidade de se diferenciarem do modo como seus pais cuidaram deles. Vejo isso como uma possível expressão de uma busca por AUTONOMIA que precisa ser vivida, para que esses recém-pais sintam que são os protagonistas dessa nova etapa da vida. Por toda a história da humanidade, essa dialética acontece: eu preciso me afastar, e até negar o que foi, para conhecer outras possibilidades. Isso pode até ser vivido de maneira tranquila por ambas as partes, mas é a condição para que sigamos com a evolução dessa mesma humanidade.
Agora, este movimento necessário – e até inevitável – acontece justamente pondo em questão um dos pontos mais sensíveis para os avós e as pessoas de um modo geral, que é a forma como se escolhe cuidar de – e portanto amar – seus filhos. É como se estivesse sendo dito que os pais de outrora fizeram mal, ou fizeram de menos, mesmo que isto não seja a intenção nem a realidade sentida pelos recém-pais. Isso pode gerar mágoas, ressentimentos e até raiva...
O que se coloca, portanto, é que ambas as partes vivem uma desestabilização: uns por ter de viver novos enfrentamentos na relação com os seus pais, outros por se verem confrontados e verem quebrar paradigmas que para eles eram tão certos, tão familiares, que lhes traz segurança. Estes últimos se veem muitas vezes sem poder usar de recursos “conhecidos” para cuidar desse bebê: “Como não vou dar chupeta, se era isso que acalmava você, meu filho?!”
A quebra de paradigmas abala o mundo todo, o velho e o novo. Esse abalo sísmico deixa a todos muito sensíveis, mas pode também criar condições para que essa relação entre as gerações possa acontecer em novas terras, novas bases.
Estou por aqui, as 3as feiras, quinzenalmente, e toda segunda feira, ao vivo no espaço nascente (http://espaco-nascente.blogspot.com.br/) coordenando o grupo de pós parto. Ficarei feliz de dialogar com vcs leitores, podem entrar em contato comigo com dúvidas ou sugestões de tema, por email ou por telefone: cristoledano@hotmail.com 11 9966-2314

2 comentários:

  1. Belo texto, Cris. Parabéns pelas reflexões tão maduras e pertinentes. abraços carinhosos de nossa família, Fatima, Marco e Euclides.

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  2. Obrigada querida, um beijo bem grande em vc e no pequeno Euclides. Cris

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