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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"Um mundo invertido" - Análise fenomenológica de um caso clínico

Este trabalho tem como objetivo fazer uma descrição e uma análise fenomenológica existencial de um caso clínico. O paciente em questão é um menino de 8 anos que foi atendido por mim no período de novembro de 2009 a março de 2010. A partir desta descrição, vou buscar unidades de sentido que permitam compreender o mundo desta criança.
Neste sentido, é importante esclarecer que, para a análise existencial, qualquer análise antropológica deve necessariamente partir da tese ontológica de que o homem não é um sujeito que se relaciona com o mundo, mas que sua estrutura fundamental é a de ser em um mundo, de que ele é seu mundo, eliminando a distância que se criou na tese científica clássica de que há uma separação fundamental entre sujeito e objeto. Não é objetivo deste trabalho fazer uma reflexão filosófica ontológica sobre as diferenças destes pontos de partida analíticos tão distintos, mas desenvolver mais detalhadamente as unidades de sentido ou, em outras palavras, as dimensões ontológicas que utilizaremos aqui e que orientarão uma reflexão a respeito do mundo do paciente.
Estas unidades de sentido não fazem parte de um corpo teórico, nem são escolhidas aleatoriamente em uma reflexão a partir das informações colhidas do paciente. São, pelo contrário, dimensões existenciais que todo homem carrega e às quais responde, cada um à sua maneira individual. Acredito que esta reflexão por si já evidenciará as diferenças ontológicas entre o método fenomenológico e o científico metafísico, e serão uma demonstração da forma como se encaminha um uso da metodologia existencial analítica.
A seguir, faço um breve relato das primeiras entrevistas que realizei com a mãe de Renato e sua escola. Este relato ajudará na compreensão do caso que farei, onde incluo descrições dos acontecimentos em nossos encontros.
A mãe de Renato (que chamarei aqui de Sara para facilitar a leitura e preservar sua identidade real) procurou atendimento psicológico a pedido da escola com a queixa de que o filho não havia aprendido a ler e a escrever e de que era “indisciplinado” e “imaturo”. Na época, Renato tinha 7 anos de idade e cursava a segunda série do primeiro grau. A mãe relatou não ter esta percepção do filho em casa, que não reconhecia o filho que descreviam na escola, e que acreditava que sua dificuldade em aprender estava relacionada com o fato de sua professora não gostar dele. Preocupada com o fato da criança não ler e não escrever, Sara fez que Renato passasse a ter aulas particulares com uma tia da família, duas vezes por semana, uma hora por encontro. A única coisa que sabia realizar era contar de 1 a 50, mas precisava sempre começar do número 1. Contou que pediu para a escola para mudá-lo de classe por causa do relacionamento conturbado com a professora, e que não queria que Renato passasse de ano por não saber ler e escrever, mas que a escola não aceitou seus pedidos. Chegou a pensar em tirá-lo da escola, mas até o começo das sessões não o havia realizado.
Sua percepção do comportamento de Renato era a de ser uma criança às vezes “turrona”, “briguenta” e “birrenta”. Contou que Renato brigava bastante com as crianças do prédio, muito em defesa do irmão mais velho que é “quietinho”. Este irmão mais velho na época tinha 10 anos. Responsável e bom aluno, era quem cuidava do Renato quando a mãe estava trabalhando. As crianças passavam bastante tempo sozinhas em casa por ela não ter com quem deixá-los. Saía cedo de casa e só retornava à noite. Renato acabava muitas vezes não indo para a escola, pois se recusava a entrar no ônibus escolar. Na época, Sara relatou que Renato acordava a noite gritando e chamando seu irmão.
A relação de Renato com o pai (que chamarei de Tadeu) sempre foi conturbada. Separaram-se quando Renato tinha dois meses de idade. Sua gravidez não foi planejada, e foi um período bastante turbulento em sua vida. Segundo ela, Renato não foi desejado pelo pai, que queria que ela realizasse um aborto. Tadeu casou-se com outra mulher e com ela teve um filho, e só começou a ter contato com Renato quando este tinha 2 anos de idade, à época em que o garoto retornou da casa dos avós maternos no interior. Os avós maternos cuidaram de Renato dos 8 meses aos 2 anos de idade, enquanto Sara trabalhava em São Paulo.
Segundo ela, depois da separação, a causa das constantes brigas entre ela e Tadeu se devia ao fato de que este não participava da vida dos filhos, e não contribuía financeiramente para o sustento deles. Sara abriu ações judiciais contra ele com pedido de pensão, porém, no momento da entrevista, ainda não havia conseguido receber o dinheiro. Ela relatou também ter agredido Tadeu diversas vezes fisicamente, por sentir raiva por ele não ajudá-la no cuidado com os filhos. Na sua fala pude perceber que muito da comunicação entre Sara e Tadeu se dava por via dos filhos, muitas vezes de forma bastante agressiva.
Sara disse que chegou a pensar que a atual esposa de Tadeu agredia Renato fisicamente. Nas poucas vezes em que pude conversar com Tadeu por telefone, ele alegava que Sara buscava afastá-lo dos filhos e que não conseguia maior comunicação com eles por causa de sua agressividade. Sua relação com Renato acontece em alguns finais de semana por mês, geralmente de quinze em quinze dias.
Em conversa com a coordenação e com a professora de Renato à epoca, me foi descrito por ambas que Renato era “briguento” com seus colegas e professores, que tinha comportamentos de se jogar no chão, se arrastar, e comportamentos infantis para sua idade. Renato rasgava e “destruía” seus cadernos escolares e vinha sem nenhum material para escola. Chegava bastante sujo à escola, às vezes machucado pelas brigas que tinha com amigos do condomínio onde morava. Foi relatado pela professora que fugia do prédio onde tinha aulas com ela e com outros professores.
Era bastante comum pedir à professora para ir ao banheiro durante as aulas. Esta já não sabia mais como lidar com Renato, nem com sua mãe, e reconheceu ao telefone comigo que já não se dedicava mais tanto a ele em sala de aula.
***
Dentro da perspectiva analítica existencial, uma investigação a respeito do modo de ser de um paciente deve necessariamente partir de uma investigação das formas como este paciente experimenta as dimensões ontológicas, ou estruturas fundamentais da existência. A seguir faço uma breve explanação das dimensões ontológicas que servirão de unidades de sentido que orientarão minha reflexão a respeito do mundo de Renato.



O mundo e suas três dimensões: Umwelt, Mitwelt e Eigenwelt
Muitos analistas existenciais distinguem três mundos que caracterizam a existência do homem: Umwelt, que literalmente significa “mundo ao redor”, Mitwelt ou “mundo com” e Eigenwelt ou “mundo próprio”. A partir daqui, me basearei na reflexão aprofundada destes três mundos e das dimensões ontologicas realizada pelo analista existencial Rollo May em seu livro A descoberta do ser. Esta descrição certamente será demasiado sintética, portanto, uma compreensão a respeito destas dimensões se fará muito mais consistente a partir da leitura de seu livro.
O primeiro mundo poderia de forma simplificada ser traduzido aqui para nossa compreensão como o mundo das determinações e pela consequente adaptação. É o mundo das causas e efeitos, onde aquilo que vivemos está de alguma forma predeterminado. Para Rollo May, seria o mundo da “limitação e do determinismo biológico, o ´mundo imposto´ no qual cada um de nós foi lançado por meio da nascimento, e deve de alguma forma, ajustar-se.”(May, p.139). Já o segundo mundo, Mitwelt, é o mundo das relações entre os homens e que em sua essência, diferentemente do mundo anterior, é condicionado pela transformação mútua, pela afetação, já que é sempre vivido no contexto da diferença e das múltiplas formas em que um estar junto ao outro pode acontecer. Eigenwelt seria o mundo mais comumente conhecido como o da auto-consciencia, “é a percepção do que uma coisa qualquer no mundo (...) significa para mim.” (May, p.142) Esta seria a base sobre a qual nos relacionamos, como compreendemos o que nos acontece e como nos apropriamos disso e que encaminhamento escolhemos dar a nossa vida.
Temporalidade e espacialidade
A experiência do mundo para o homem é sempre uma experiência de espacialização e uma temporalização do seu modo de ser. Neste sentido, o tempo relativo a existência “emerge” como coloca May (p.149). “A existencia está sempre em processo de formação, sempre desenvolvendo-se no tempo, e jamais poderia ser definida em termos de pontos estáticos”. O tempo do relógio seria mais precisamente uma “espacialização do tempo”, e relaciona-se a nossa dimensão Umwelt, onde as determinações e as forças condicionadoras regem os atos. Já em Mitwelt, o mundo das relações, o tempo quantitativo ganha importância menor em relação ao significado de um acontecimento. A experiência de percepção de si próprio, ou Eigenwelt também não se relaciona com o tempo do relógio, chronos, ela é Kairós, ou tempo da significação. Neste sentido, se a existência é marcada pela qualidade de estar sempre sendo, de estar se desenvolvendo no tempo, a dimensão do futuro, ou vir-a-ser do homem, ganha uma importância maior. “um homem somente pode compreender a si próprio ao projetar-se para frente” (p.153). O passado seria do domínio de Umwelt, das contingências, do que já foi, e assim, aquilo que o indivíduo busca ser determina o que ele recorda de ter sido.
Diferentemente do espaço geométrico, que é uma construção pré-determinada, neste sentido relativa ao Umwelt, o espaço experimentado no âmbito existencial poderia ser traduzido literalmente como modo de ser. O espaço que experimentamos tem relação direta com a forma como nos relacionamos com as nossas potencialidades e limitações, e ganham qualidade na medida em que experimentamos uma abertura ou fechamento de nossas possibilidades de ser. Em Mitwelt e em Eigenwelt, o espaço ganha qualidade a partir dos acontecimentos experimentados na relação com o outro e consigo mesmo.
Angústia existencial – Ser e não ser
O significado da palavra ser é bastante complexo, e não cabe aqui neste trabalho aprofundar e ampliar uma compreensão a seu respeito, porém, para os objetivos deste trabalho, é importante colocar que podemos simplificar sua compreensão citando uma frase de May: “ser é a potencialidade pela qual a semente se torna uma árvore ou cada um de nós se torna aquilo que realmente é” (p.105) Porém, não-ser é parte inseparável do ser. A consciência das ameaças ao ser, de que a existência é frágil, de que nossas potencialidades podem estar comprometidas, e cuja expressão mais contundente é a própria morte, é que produz vitalidade e sentido, e também um “fortalecimento da consciência de si mesmo, de seu mundo e dos outros ao seu redor.” (p.116)
Esta compreensão da possibilidade do não-ser é a base na qual se sustenta o que chamamos aqui de angústia existencial. Diferentemente do medo, que tem uma expressão objetiva e relaciona-se a algo específico, a angústia é a expressão da condição humana. A vivência da angústia, que tem sua raiz na angústia existencial, aparece no momento em que alguma potencialidade surge diante do homem, mas esta possibilidade surge enquanto ameaça.
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Nos meus encontros com Renato, me chamava a atenção que todos os elementos em suas brincadeiras sempre terminavam em explosão, colisão, desmembramento e morte. Carros que se chocavam incessantemente, postos de gasolina e caixa lúdica eram explodidas, pernas cabeças e braços lançados ao ar. Brincava de tirar os membros dos corpos, e de espancar os bonecos e lançá-los longe. Tinha muita dificuldade em participar com ele das brincadeiras, uma vez que tudo sempre tinha um fim trágico muito rapidamente. Era como se qualquer expressão que se esboçasse por parte de qualquer elemento fosse interrompida de forma violenta.
Ao mesmo tempo, Renato demonstrava ter muita consciência dos perigos, e era muito presente na sua fala, expressões do tipo “Se... então...”. Alguns exemplos disso: Certa vez observou que um boneco, porque estava sem camisa, se caísse poderia se machucar, outra, de que a faísca de um dos carros da caixa lúdica (que tem um mecanismo de faísca interno) não estivesse “fechada” dentro do corpo do carro, ela poderia produzir fogo.
Começamos a ver que o mundo de Renato é regido fortemente pela impossibilidade de uma expressão livre, e que esta expressão pudesse adquirir algum desenvolvimento e amadurecimento. Esta expressão ou potencialidade foi sempre marcada pela interrupção. Podemos pensar que a sua liberdade de poder ser está fortemente comprometida. Neste sentido, a dimensão Umwelt, das determinações, ganha em sua vivência, uma predominância, e sua relação com os acontecimentos da vida, passam a ser do tipo causa e efeito, devido ao sentimento de ameaça constante, e sua necessidade de se salvaguardar. Renato precisa desesperadamente antever os perigos, e consequentemente vive sob a chave da adaptação prévia as situações, sem poder cultivar uma postura criativa e livre nelas. Estas observações das brincadeiras e dos comentários de Renato revelam que o mundo por ele habitado é fortemente marcado pela ameaça e pela tragédia.
A integridade física e a harmonia entre as relações são, em seu mundo, vividas em seu oposto, num cenário de guerra e destruição. Quando me refiro ao termo mundo, me refiro a esta “(...) estrutura de relacionamentos importantes no qual uma pessoa existe e de cujo plano participa” (May, p.135). Neste sentido, o quadro geral do mundo de Renato se revela tendo estas qualidades, tragicamente invertidas em insucessos e aniquilamento de gestos potenciais.
Os elementos em suas brincadeiras, e também sua reticência em me incluir em suas brincadeiras, indicam que está ameaçada também a possibilidade de lançar-se com segurança às relações. Alguns exemplos disso aparecem nas brincadeiras em que um carro de polícia de maneira “barbeira” (sic) atropela uma pessoa morta, e fere outro polícia. Seu comentário é bastante ilustrativo: “como que ela fala para não fazer e faz?”. Outra vez, brincando com os carros “de corrida” (sic), entendeu por que os motoristas se “estrepam” (sic): “Eles dirigem olhando para trás!”. As figuras de autoridade, ou aquelas responsáveis pela segurança, frequentemente nas brincadeiras realizavam atos impróprios e violentos e contrários ao que seus papéis prescrevem.
Neste quadro vivencial, onde a catástrofe impera no mundo de Renato, seu relacionamento com os outros tem a quebra de confiança como qualidade mais presente. Podemos pensar que sua insegurança nas relações, seu desamparo frente as situações ameaçadoras da vida, o leva a não conseguir desenvolver-se nas suas potencialidades e permitir-se ser afetado pela presença do outro, que é experimentado por ele como sendo agressivo, violento, incoerente e desestruturador. Sua incapacidade em aprender na escola certamente revela sua dificuldade em envolver-se com os outros e consequentemente com as atividades propostas.
O sentido de sua dificuldade escolar ficava patente quando oferecia a ele desenhar. Sempre negava dizendo que não gostava, e que achava muito difícil. Certa vez, fez referência a um primo seu que conseguia desenhar tudo que vinha a cabeça, coisa que não acontecia com ele. Dizia que achava que desenhava mal. Nunca foi uma atividade por ele escolhida. As poucas vezes em que pedi para que ele desenhasse, utilizava bastante a régua e a borracha, ou recomeçava diversas vezes numa nova folha. Chegou a usar o outro lado da folha como rascunho. Se pensarmos na dimensão Eigenwelt do mundo vivido por Renato, constatamos que sua percepção de si mesmo revela um forte sentimento de incapacidade, e neste sentido, o que lhe é proposto é vivido com muita dificuldade e com um sentimento de fracasso iminente. Sua auto-exigência compreensivelmente aumenta, e sua auto-estima diminui.
Ao mesmo tempo, dentro deste mesmo recorte Eigenwelt de seu mundo, é impressionante sua capacidade de compreender o significado dos acontecimentos ao seu redor. Muito lúcido, certa vez comentou comigo que achava engraçado que seu primo, que sempre escovava os dentes, tinha cáries e que ele, que não escovava, não tinha. Em diversas outras situações, sempre que surgiam famílias em suas brincadeiras, eram sempre “loucas”. Numa dessas brincadeiras, perguntei o porque, e ele me respondeu que era porque os filhos não “eram humanos”.
O aspecto trágico revelado em suas brincadeiras, também se apresenta quando observamos como Renato vive a dimensão da temporalidade e espacialidade em sua vida. Se os acontecimentos em sua vida tem o caráter de ameaça constante, e a insegurança de lançar-se livremente às situações predomina, seus gestos são interrompidos pela tragédia e embotam, e seu vir-a-ser se transforma em imobilidade. Um exemplo disso apareceu quando trabalhamos com argila. Renato demonstrou bastante interesse por este material. A argila tomou uma forma parecida com a de um “ovo de páscoa” e resolveu colocar uma moto dentro do ovo, e a recobriu com sua outra metade. Ficou bastante tempo num esforço de recobrir a moto completamente e fez o seguinte comentário: “Deve ser horrível para um motoqueiro ficar preso .” (sic) Outra de suas brincadeiras era de recobrir o corpo, mas principalmente a face de um boneco musculoso e um cavalo de massinha. A massinha “engessava” (sic) partes do corpo quebradas, era colocado por outros que não gostavam dele e os brinquedos se sentiam ora presos, ora protegidos contra as pancadas.
Estas duas imagens produzidas por Renato na argila, falam para nós também de sua angústia frente a sua impossibilidade de ser. Ambas situações se referem a uma imobilidade, e do consequente sofrimento dos elementos não poderem exercer uma expressão livre daquilo que são, no caso, um motoqueiro poder correr em liberdade, e seres fortes e potentes sentirem-se presos e não poderem reagir às agressões. Ao mesmo tempo, todos os elementos estão protegidos numa opressão. Esta paradoxialidade chama a atenção. Há uma clara inversão de valores, que nos leva a constatar que o contexto em que Renato vive, é de fato como ele mesmo descreveu: “louco”.
Se buscarmos ir mais fundo na estruturação do mundo de Renato, na essência ou fundamento do projeto de mundo revelados por ele em quase todas as suas brincadeiras e em seus comentários, chegamos a noção de que Renato vive um mundo invertido. É na espacialidade de sua existência que vemos isto com muita clareza: Uma casa ao contrário, a proteção que oprime, a expansão que provoca tragédias. Transcrevo aqui um relato de um desenho feito por Renato que esclarece este ponto: Numa sessão orientada, pedi que ele desenhasse uma família. Renato resistiu dizendo que não sabia desenhar, mas aceitou minha proposta. “Errou” duas vezes o desenho, e na terceira folha desenhou o seguinte: Eram 5 crianças, que se diferenciavam pelos desenhos geoméricos em suas camisetas. Só uma das crianças usava “shorts” porque era “calorento” (sic). Os outros eram “friorentos”. Intervim depois que terminou perguntando sobre os pais, e ele os desenhou em cima da folha, e somente se viam seus corpos, não suas cabeças. Acrescentou um cabelo espetado no “filho menor”. Perguntei onde moravam e ele desenhou uma casa com muitos quartos onde todos tinham o seu com sua TV própria. Acrescentou que o único que dormia com os pais era o mais novo, e que os pais gostavam de assistir a filmes de terror e que era por isso que o mais novo ficava com o cabelo em pé (espetado). Estes pais eram “loucos”, e chegaram a jogar o filho que dormia com eles fora da janela porque “bagunçava demais”. Ele então passou a dormir na garagem. Este mais novo “bagunçou” depois a casa e ela foi ao chão e quando os construtores construíam-na de novo, ele “bagunçou” os construtores que a construíram de “cabeça para baixo” (sic). Neste momento, Renato riscou bastante o desenho da criança mais nova dizendo que esta tinha morrido, porém logo transformou uma outra criança (das cinco) nesta mesma criança, e disse que ela havia crescido e resolvido sair de casa. Quando voltou à casa depois de muito tempo, todos já haviam morrido, e ela permanecia por ser mais jovem que todos. Ele continuou “bagunçando” a casa, porém, desta vez, não haveria mais ninguém para reconstruí-la novamente.
Neste trabalho busquei exercitar uma reflexão fenomenológica de uma caso clinico, buscando compreender como o meu paciente Renato experimentava as dimensões ontológicas inerentes a existência. Esta reflexão orientou meu trabalho junto ao Renato e sua mãe durante os meses em que os atendi.
Bibliografia utilizada:
MAY, Rollo. A descoberta do ser: estudos sobre a psicologia existencial. Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 2000

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