Texto extraído do site Cia Das Mães
tradução do texto de LAURA GUTMAN para o Português de Natalia Salvo
Mães sozinhas
LAURA GUTMAN
Somos muitas no mundo, as mães que criamos sozinhas nossos filhos,
ou seja, sem conviver com mais ninguém além da criança. A maioria de nós
a princípio não desejou esta situação, e frequentemente a assumimos sem
saber muito bem como nos arranjaríamos. Pode ser que tenhamos
engravidado estando em uma relação ocasional e, mesmo assim, sentimos
que por algum motivo misterioso, esse ser tinha sido gerado e estávamos
em condições de abrigá-lo, nutri-lo e levar adiante a gravidez e o
parto. Ou de repente pode ter acontecido que a gravidez tenha sido
planejada dentro de um relacionamento estável, mas o projeto de
continuar juntos não seguiu adiante, e portanto assumimos continuar com a
gravidez apesar da perda do homem amado, a dor ou o desamparo. Em
muitas outras ocasiões, quem sabe sejam as mais frequentes, ocorre uma
separação ou um divórcio com os filhos já nascidos. Pode acontecer do
pai abandonar definitivamente a cria, por diversos motivos, e as mães
não só assumam a criação, mas também a sobrevivência dos filhos, no
sentido econômico da questão. A maioria das mulheres, ainda em situação
de risco, de falta de dinheiro ou de maturidade emocional, ou mesmo na
solidão, permanece com seus filhos.
Para abandonar uma criança, o desespero, o fato de nos
sentir à beira de um abismo, a solidão extrema e o medo inundaram nossas
vidas. Em compensação, se temos o mínimo de consciência de nossas
capacidades de nutri-lo, se temos confiança em nós mesmas e
principalmente, se recebemos de alguma forma apoio e acolhimento,
permaneceremos com nosso filhos ainda que seja em condições muito
desfavoráveis.
A solidão é, quiçá, o pior panorama para criar uma criança.
No entanto, mais além de todas as dificuldades reais e muito concretas,
ser uma “mãe sozinha” tem sim, algumas vantagens. A principal vantagem é
que sabemos que estamos sozinhas. E os outros também sabem disso. O
fato de que a solidão seja palpável e visível, nos permite pedir ajuda a
quem estiver ao nosso redor com relativa facilidade. Este fato, que
aparenta ser uma obviedade, não é quando estamos vivendo com alguém. Às
vezes, o sentimento de solidão é imenso estando dentro de um casamento,
mas nesses casos não é fácil reconhecê-lo, nem muito menos que o nosso
entorno nos entenda como alguém sozinho e necessitado de receber
companhia e apoio.
Quando criamos nossos filhos sozinhas, e além disso, quando
trabalhamos porque somos as únicas proveedoras do dinheiro, não temos
outra opção a não ser contar com os outros. Algumas mulheres recebemos
apoio de nossas famílias, onde o apoio se constitui naturalmente: podem
ser nossas mães ou nossos pais que estejam presentes, que ofereçam ajuda
econômica ou inclusive, na sua função de avós, cuidem diretamente das
crianças. Às vezes tem uma irmã que atua como um apoio, um grupo de
amigas solidarias, ou uma rede laboral que equilibra a solidão e a
resolução de problemas domésticos. Há circunstâncias onde não temos
condições de pagar uma ajuda doméstica ou um berçário muitas horas por
dia. Ou existe uma madrinha da criança que se compromete uma vez por
semana a cuidar dele. O chefe no trabalho se torna especialmente
solidário porque sabe que somos uma “mãe sozinha”. Nossas amigas se
organizam os finais de semana, nos convidam a reuniões e preparam as
comemorações de aniversário de nossos filhos. Longe disso ser uma
situação ideal, mas resgatemos o fato de que a “solidão” é clara para
todos, principalmente para nós mesmas. E dada esta clareza, podemos
atuar logo na sequência.
Quase todas as pessoas se tornam solidárias com uma mãe
sozinha que cria seus filhos, porque todos podemos imaginar o enorme
esforço que isso demanda, além dos obstáculos que tem na vida cotidiana
uma mãe que precisa cumprir a diversidade de papeis, e para que as
crianças estejam bem cuidadas e bem atendidas. Essa solidariedade
coletiva, é possivelmente, uma das principais vantagens. E se essa é a
nossa realidade, vale a pena considerá-la.
Há também outras vantagens menores: quando o bebê é
pequeno, as mães podem ter – se forem emocionalmente capazes – toda a
disponibiidade afetiva para a criança. Isso porque não haverá demanda
por parte do companheiro, de atenção para ele: nem de cuidados, nem ter
que ouvi-lo, nem requerimentos domésticos. Ou seja, se formos capazes de
nos fundir nas demandas e necessidades do outro, será completamente em
benefício da criança pequena, em vez de nos dividir entre os pedidos de
uns e outros. Este também não é um ponto menos importante – ainda que
não estejamos acostumadas a falar abertamente sobre as ambivalências na
hora de atender nosso companheiro – quando ele reclama atenção e
carinho, enquanto o pequeno bebê aguarda sua vez. Este “esgotamento” que
sentimos quando desejamos satisfazer as necessidades alheias, costuma
ser frequente cuando estamos acompanhadas, e muito mais leve quando nos
ocupamos ”somente” do bebê.
Outro fato que se dá muito mais naturalmente quando estamos
sozinhas, é o se deixar fluir no contato corporal com a criança,
principalmente à noite. Quando o cansaço nos aflige, quando somente
queremos dormir e não temos mais forças, quando a criança chora pedindo
contato e carinhos… e então não há ninguém para nos dizer o que é certo
fazer, e o quê não se deve fazer. Não há ninguém para opinar a favor ou
contra, ninguém para dar conselhos, ninguém para ajudar – mas ao mesmo
tempo, ninguém para colocar-se no meio disso tudo. Simplesmente deitamos
na cama com a criança em nossos braços, tentando dormir o quanto antes.
Isso com a criança agarrada em nosso corpo e sem incomodar ninguém.
Parece uma obviedade, mas não é. A maioría de nós, mães que
vivem acompanhadas e querem tentar dormir de noite, trazem seus filhos
para a cama e se deparam frequantemente com a negação do companheiro,
seja por se sentir prejudicado, ou por medo, por incômodo ou por sentir
que não é parte desse vínculo. No entanto, as mães sozinhas – em
circunstâncias semelhantes – podem decidir unilateralmente a melhor
maneira de atravessar as noites, que – isso todas nós sabemos – podem
constituir a parte mais dura da criação de nossos filhos.
É lógico que estar sozinha na criação e na vida cotidiana
não é maravilhoso. Todos precisamos de uma companhia, interação e
diálogo. Ainda mais se estamos criando filhos pequenos. Por isso, se
temos alguém, nos veremos na obrigação de imaginar outros tipos de apoio
e ajudas, para que nossa experiência maternal seja o mais feliz
possível, e para que as crianças recebam o amor e o acolhimento que
merecem.
Pessoalmente, acredito que a melhor opção quando não há um
companheiro ou alguém que dê apoio, é a rede de mulheres. Tenho certeza
que fomos criados como espécie de mamíferos para viver em comunidade, e
que ao longo da história constituímos tribos ou aldeias para
compartilhar a vida. Hoje em dia os centros urbanos se converteram no
pior sistema para criar as crianças, já que as mães estão cada vez mais
sozinhas e isoladas, portanto as crianças têm poucas pessoas às quais
recorrer em seus rituais cotidianos.
Precisamos reinventar um esquema antigo, mas com parâmetros
modernos, sempre que haja um conjunto de mulheres criando filhos. Não
importa quantas, já que uma só mãe não consegue criar uma criança. Mas
cinco mães juntas podem criar cem crianças. O segredo está no conjunto,
na solidariedade, na companhia e no apoio mútuo. Nenhuma mulher deveria
passar os dias sozinha, com uma criança nos braços. A maternidade é
fácil quando estamos acompanhadas. Não julgadas, nem criticadas, nem
aconselhadas. Simplesmente junto de outras pessoas, e na medida do
possível, junto de outras mulheres que estejam experimentando o mesmo
momento vital. Quando as mulheres estão trocando conversas,
brincadeiras, choros ou lembranças com outras mães, resulta muito mais
leve permanecer com nossos filhos. No entanto, se estamos sozinhas,
acreditamos que não somos capazes, e supomos que deveríamos deixar as
crianças aos cuidados de outras pessoas para poder “ocupar-nos de nós
mesmas”. Frequentemente não percebemos que o problema está na solidão de
permanecer junto à criança. Não em nossa incapacidade de amá-los. Por
isso, insisto: é responsabilidade das mulheres reconhecer que precisamos
voltar a nos reunir, que se funcionamos coletivamente e dentro de
círculos femininos, a maternidade pode resultar em algo muito mais suave
e doce. E que uma “mãe sozinha” é aquela que não é compreendida,
apoiada, nem incentivada, ainda que ela conviva com muitas pessoas. E
“mãe acompanhada” pode ser uma mulher que não tenha alguém a seu lado,
mas que, no entanto, conte com o aval de sua comunidade.
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