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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

São Paulo, 29 de Agosto de 2009
Trabalho de conclusão das reuniões clínicas da Psicoblue do primeiro semestre
Ao refletir sobre a postura do terapeuta no contexto clínico, me surgiu a cabeça uma pergunta anterior a esta: o que é psicoterapia? Aparentemente simples, e por mim tomada muitas vezes intuitivamente como já sabida, essa pergunta me apareceu muito mais complexa, a medida que meditava cada vez mais sobre ela. Parte da minha dificuldade acredito vem justamente de um desejo por encontrar uma resposta definitiva a respeito de algo que não se enquadra em uma definição única e definitiva. Ao relembrar meus atendimentos, tentei encontrar algum “pano de fundo” essencial, que unisse coerentemente as minhas ações e as respostas dos meus pacientes, mas o que insistia em aparecer para mim foram as diferenças que vivi em cada encontro com estas pessoas, minhas e deles, eles por um lado se aproximando da experiência terapêutica a seu modo, e eu do meu. Fico pensando se eu tivesse me portado de uma certa maneira com todos, talvez não tivesse conseguido escutar as particularidades das demandas desses pacientes, nem conseguido me aproximar do meu modo próprio de me colocar diante deles, nos meus processos de erros e acertos, para mim tão dramáticos e tão especiais ao mesmo tempo.

Mas ao mesmo tempo, reconheço que exerci, em maior ou menor medida (e isto é importante frisar) uma certa abertura para que encontro acontecesse, que neste sentido foram posturas minhas mais e menos disponíveis àquilo que chegava a mim do meu paciente, e também porque não encontrei e não encontro em mim um modelo ou uma forma exata de como deveriam ter sido estes encontros. Eles se deram, de alguma maneira. Isso me lembra o atendimento de uma paciente, e seu sentimento diante de mim (e que acredito se estende em maior ou menor medida a todos os pacientes, por causa do peso de meu “lugar de terapeuta”, daquele que “sabe”). Ela algumas vezes me disse que gostava de vir a terapia, porque ela se sentia a vontade de ser quem ela era, diferente de como se sentia fora da terapia, onde seu modo de ser era percebido por ela e pelos outros como sendo “chato”, “inadequado”, “errôneo”. Mas ao mesmo tempo, e a partir desta sua fala, percebi nela uma certa aflição com o que eu poderia pensar dela, se em algum momento eu lhe diria que encontrei algo inadequado nela, errôneo e que deflagaria sua “loucura”, sua impossibilidade de existir daquela forma, sua cegueira a respeito de seu modo de ser que somente eu poderia dizer, por ser “terapeuta”. Mas, ela também sabe que a partir do momento em que fizesse isto, que lhe dissesse que via algo nela que ela não via, que decifrei algo dela, algo estaria escapando, que eu não estaria realmente “dentro” de sua experiência para poder definir seus passos com uma conclusão, que eu estaria decretando um “fechamento” de algo que se dá, que é enquanto questão para ela.

Conversamos sobre esta questão que ela me trouxe veladamente, e pudemos ir descortinando seus medos, seus receios diante do mundo, sua angústia de não conseguir deixar de ser como ela é, mas ao mesmo tempo reconhecendo a dificuldade em comunicar-se com o mundo a partir desse jeito dela. Ela foi podendo ir descobrindo como, ao assumir a dificuldade (e não a partir de uma conclusão dada e definitiva ), que em primeiro lugar relacionar-se não é algo fácil e dado, exige um colocar-se, e como ela poderia ir se colocando de um modo em que sua comunicação pudesse ir se dando, a partir de suas possibilidades, e enxergando algumas mudanças. Ela viveu comigo este abrir-se dela para mim, que reverberou em seu modo de ser com os outros, ao perceber que ele era possível. Em última instância, que seu modo de ser era possível, não sem dificuldade, mas era possível. Penso agora um pouco sobre a minha postura de terapeuta. Eu me abrir a partir das minhas possibilidades, e ela a partir das suas gerou um “conforto” mútuo no nosso relacionar-se, que permitiu que ela se abrisse cada vez mais comigo, e eu com ela, para que tanto eu quanto ela pudéssemos nos colocar. Na verdade, estávamos vivendo “clinicamente”, aquilo que a afligia e era a sua questão, e com isso vivendo uma abertura mútua.

Talvez este seja um dos corolários da minha experiência terapêutica: Preservar este abrir-se para si mesmo, sem uma orientação a priori a respeito de como devo me colocar (porque deste paciente nada sei), buscando um espaço para a comunicação, a partir das possibilidades do paciente, reconhecendo as minhas dificuldades e do paciente nesse processo difícil que é relacionar-se. É um constante esclarecer o que me vem ao encontro, de mim, para mim e a ele, para que ele possa ir experimentando e sustentando esta abertura, comigo e com o mundo, e eu enquanto terapeuta dele e de outros que virão.

Obs: Este meu abrir-se para mim, certamente, e igualmente como foi vivido pela minha paciente, foi podendo se sustentar com a ajuda de meu supervisor e meu terapeuta, (com as minhas leituras!) e com o meu relacionamento com o mundo.

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